Blog da Chames: Parou de fazer sentido
Texto de abertura da newsletter #3, divulgada em setembro de 2019.
A vida parou de fazer sentido para mim há muito tempo. Às vezes, eu só não ligo para essa falta de sentido. Outras, eu só me importo com essa insignificância – como me importei durante o ano passado inteiro, “o ano do vazio”.
Agora, o vazio chegou novamente, mas em uma rotina estruturada que, de tão repetitiva e monótona, parece interminável: acordar (nunca no horário em que o despertador toca; sempre uma hora depois – no susto, é claro); calcular em quantos minutos preciso sair de casa para não chegar tão atrasada assim; reclamar do trabalho, reclamar das pessoas do trabalho, reclamar de reclamar tanto.
O cronograma segue e me pergunto se sempre vou me sentir insatisfeita profissionalmente
Depois desse ciclo de reclamação, me sentir culpada de estar reclamando de um trabalho que nem é ruim e de pessoas que até torcem por mim, kinda of; O cronograma segue e me pergunto se sempre vou me sentir insatisfeita profissionalmente – e, de novo, culpada por me sentir assim.

Ilustração de Brunha Manhães
Enfim, vou para a casa e o fluxo segue mais ou menos dessa forma: assistir Netflix (agora é a vez de ‘Jane, The Virgin’); notar que, de repente, assisti a ¼ de uma temporada e, caralho!, já é madrugada; não aceitar que é o fim do dia e, dessa forma, negar o meu sono (essa é a hora que pego um livro ou escrevo no meu diário). Um ou dois parágrafos depois, ceder e aceitar que foda-se, já era, acabou, preciso mesmo dormir.
Antes de cair no sono (algo que, na verdade, só acontece mais ou menos uma hora depois que eu me deito e apago as luzes), me imagino vivendo romances de Hollywood (literalmente, já que, bem, quero morar em [West] Hollywood) e, minutos depois, me esforço para aceitar que algumas pessoas não acabam exatamente com um happy ever after. Lendo, parece drama. Mas realmente acredito que abraçar a possibilidade de uma solitude seja saudável, sim. De novo, pode ser drama.
Enfim, durmo e tenho os sonhos mais estranhos do mundo. Às vezes, sonho com pessoas com que nunca cruzei e universos nunca vistos. Eu disse: são os sonhos mais estranhos do mundo. Acordo, e em algum momento desse processo inteiro, tento achar alguma motivação para essa rotina preguiçosa, mas nada anima.
Comentei sobre esse sentimento com a minha irmã e ela disse que eu estava certa. “A vida é realmente isso”, disse. “Mas é também”, continuou, “as lambidas na cara que tu recebe da Sansa de manhã para acordar”. Para ela, a vida são os encontros com as minhas amigas (as que conheço desde os dois ou desde os vinte anos) e as conversas engraçadas que escuto no metrô.

Ilustração de Bruna Manhães
Sempre que chego nesse relevo áspero e depressivo do percalço, eu percebo que também estou esperando para que algo grandioso aconteça para dar sentido à vida deste espermatozoide de 24 anos que vos escreve: uma mudança para Los Angeles, a chegada de um grande mozão ou, quem sabe, um projeto de sucesso.
Mas a espera pelo grande é uma ilusão. No fundo, sei que são as lambidas molhadas e exageradas, da Sansa (que sim, é Stark, mas é só a minha bola de pelo, não a rainha do norte) o que me sustenta até o vazio passar. E voltar outra vez.