Blog da Chames: Quando ganhamos a carteirinha de adulto?, me perguntaram

Texto de abertura da newsletter #4, divulgada em outubro de 2019.

perdidas-anônimas

Ilustração: Bruna Soares

Recentemente, uma amiga da faculdade me convidou para participar de um novo podcast do Huffpost Brasil, veículo no qual trabalha. O mote da conversa, que aconteceu dois dias depois deste texto, era a pergunta de um milhão de dólares: “quando ganhamos a tal carteirinha de adulto?”, que permeia indiretamente os tópicos abordados aqui no Perdidas – daí a minha participação.

Quando será que deixamos os dilemas de adolescente para trás e incorporamos os perrengues, tão clichês, da vida adulta? Será que ganhamos a carteirinha no momento em que compramos o sabão em pó que é apenas 10 centavos mais barato que o produto premium? Sem dúvidas, para mim, (o) ser adulto está diretamente atado com o conceito de independência financeira – e esse é justamente um dos motivos pelo qual não me considero uma (risos).

Talvez eu tenha caído exageradamente no buraco da questão, mas fiquei pensando em qual seria a definição de “adulto” para mim e por que somos tão obcecados em ser um.

Acima citei a independência. Aos 18 anos, no Brasil, podemos entrar em qualquer lugar sem a permissão dos pais. Podemos embarcar em um avião sem a permissão dos pais. Podemos sumir. Liberdade. Somos grandes o suficiente para bebermos, fumarmos e, assim, socialmente permitido e até incentivado, acabarmos com a nossa saúde. Risos. (Aparentemente, ninguém gosta tanto assim de ser adulto, afinal. Não sei. Pergunte aos sóbrios).

De qualquer forma, podemos fazer escolhas e seguir em frente com a decisão tomada, enfrentando quiçá o questionamento alheio, mas não mais a proibição de um responsável pela nossa vida.

Responsabilidade. Assinamos nossos próprios contratos. E vamos para a cadeia na quebra deles. Ou, sei lá, pagamos uma pena comunitária (meu conhecimento legal está no cérebro da minha irmã. Deus me proteja para que eu não precise dela). Mas eu estou sendo burocrática e chata.

A responsabilidade, a gente sabe, vai para além da lei. Está no afeto. O termo responsabilidade afetiva não está aí à toa. O Pequeno Príncipe já dizia: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. E isso, notem, porque ele é pequeno… Acho, então, que a responsabilidade não seja uma definição válida para conceituarmos adultos. Conheço crianças que são mais.

Mais que eu. Que pago os boletos em dia, mas me esqueço de dizer para os meus pais o quanto os amo, embora eu chore à noite com medo de que eu os perca sem perceber. Lembro da minha avó, do meu avô. Do Felipe.

Mais que eu. Que finjo plenitude por poder comprar produtos grifados que seriam trocados, em milésimos de segundos, por um amor. Tenho tanto medo de ir embora sem amar, sem receber amor. Sem receber a paz dos olhares que cruzam e, ali, se reconhecem. Essa paz não é maré calma, é tsunami. Impulsiona, movimenta, transforma.

Na astrologia, a evolução da criança, Áries, dá-se pela valorização da comunidade, que chega ao ápice em Peixes. A criança, impulsiva, percorre uma jornada de descobertas. A responsabilidade com a matéria, tão taurina, é só a primeira delas. A criança encontra a comunicação, o passado, a morte, o discernimento, a empatia, o pertencimento – em si, no outro, nos céus.

Quem sabe, o zodíaco está certo. Ser adulto é essa jornada de descobrir-se, reconhecer-se e honrar-se para fortalecer o outro, para compartilhar com honestidade e, sobretudo, compreender que sem o outro, nem somos. O pisciano vê-se tanto no outro que não o difere mais de si. Daí, no próximo ciclo, a criança retorna, para nos lembrar que também somos um.

As bruxas revelaram a charada há muito tempo. Para nós, no entanto, o amadurecimento continua um enigma. É que estamos muito preocupados com a previsão de amanhã. Estamos perdidos, achando que a jornada encerra no encontrar-se a si. Por isso, seguimos. Março atrás de março, amadurecendo em cada etapa.

 

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