Confissões de Perdidas: Ana Vazzola

Relato de Ana Vazzola

CONFISSÕES DE PERDIDAS É UM QUADRO QUE EXPLORA DIFERENTES PERSPECTIVAS DO SER-E-ESTAR-PERDIDA, POR MEIO DE RELATOS DE  MENINAS DA NOSSA COMUNIDADE, QUE COMPARTILHAM EXPERIÊNCIAS PESSOAIS E AS FASES CINZAS (OU NÃO TÃO AZUIS) DA VIDA.

Ana Vazzola_P/A

Setembro de 2017 completava pouco menos de um ano da minha formatura em jornalismo. Na época, em meio a tantas incertezas do mercado, eu estava absolutamente perdida e sem saber o que fazer da vida aos meus 22 anos. Eu trabalhava na área em um lugar que não me preenchia. Sabe aquela sensação de estar sem saída? Foi nesse meio tempo que a Ana, que nem sabia quem queria ser ou onde queria estar, deixou até mesmo de ser a Ana.

Entre os atrasos da menstruação, fiz um teste de farmácia e o positivo estava ali. “E agora?”. Foi essa a primeira frase que eu falei para o Pedro, meu namorado, na hora que vimos os dois risquinhos. De uma hora para outra, toda a cobrança desse existir/ser alguém/ser feliz-e-realizado-profissionalmente-na-área-que-escolheu ganhou um tamanho que crescia. Crescia toda semana, todo dia. Dentro de mim. Ou melhor, na minha barriga. Eu não era mais a Ana. Agora eu era mãe de alguém. Misto de coisa boa e desespero.

Entre os atrasos da menstruação, fiz um teste de farmácia e o positivo estava ali.

Em maio de 2018, a Sara chegou. Passou rápido demais. E continua passando. Um ano atrás, eu passei o dia das mães sem saber como ela era. Hoje, prestes a fazer um aninho e já tão cheia de personalidade, ela me transforma e me enche de aprendizados. 364 dias exatos de muitas alegrias e muito amor. Difícil pensar na minha vida e perceber que ela não estava ali naquela memória. Estranho.

Quando a Chames me convidou para escrever um texto para esse dia tão especial, a primeira coisa que me veio na cabeça foram as cobranças que a maternidade carrega. De todos os lados e em todos os momentos.

Ser mãe na era digital está longe de ter ficado mais fácil. O virtual aproxima mães de todos os perfis e culturas e aumenta o contato com pessoas que estão na mesma situação – acredite, ser mãe de primeira viagem é sempre estar passando por alguma situação desconhecida e tudo que você quer é ver que tem mais gente nesse barco. Ao mesmo tempo que as redes de apoio estão online, é muito difícil não deixar a ansiedade dominar.

Você vê o filho de fulano fazendo algo diferente e está sempre ansioso para o próximo feito do seu. Ansiedade agravada por um instinto de comparação. Comparação que traz culpa. Que mãe sou eu por estar comparando meu filho com outro? São só bebês!

Criam-se regras o tempo todo. Padrões que devem ser seguidos e que, se você for por um caminho que não esse, estará deixando o papel de boa mãe para trás. É como se o bebê nascesse carregando uma cartilha de como a boa mãe deve agir:

  • Não dar chupeta;
  • Amamentar até os seis meses exclusivamente com leite materno;
  • Não usar telas ou eletrônicos;
  • Introdução alimentar pelo método BLW (no qual o bebê come sozinho, a mesma comida da família desde os 6 meses, sem papinhas).

Ilustração: Malena Flores.

Poderia citar aqui outras tantas dessas máximas. E é louco pensar que quem “fiscaliza”, na grande maioria, são outras mães. Mães que estão vivendo e passando exatamente pelas mesmas cobranças. A fiscalização vem desse lugar, onde o conforto e a segurança deveriam emanar. E se tem uma coisa que eu aprendi nesse primeiro ano com a Sara é que a maternidade é o oposto disso: não há regras. Para nada.

Algumas dessas “leis” me afetaram. Uma dessas ocasiões aconteceu aos três meses  de vida da Sara. O pediatra me disse que ela talvez precisasse complementar com fórmula o meu leite, porque não estava sendo suficiente pra ela crescer. Ele disse talvez. Mas eu ouvi que eu era péssima mãe.

O que era para ser alívio, de saber que nos dias de hoje existem fórmulas ótimas e mamadeiras cheias de tecnologia para o bem do bebê, vira um sentimento de culpa por não ser capaz de fazer o básico: Alimentar seu filho. A imposição da amamentação exclusiva gera frustração e muitos dedos apontados para si. Dedos de quem muitas vezes também segura uma mamadeira para ver o filho bem. Isso machuca.

As cobranças começam a ficar inconscientes. Lembro que pouco antes da Sara fazer seis meses, eu já estava preocupada se ela ia aceitar a comida. Se ia comer bem e de tudo. Se ia ao menos querer provar frutas e verduras. Fiz um curso sobre a alimentação infantil e fazia – faço ainda – parte de um grupo no Whatsapp onde a troca com as mães acontece. Via com frequência vídeos de bebês comendo bem e tantas outras narrando a decepção pela falta de interesse. Ansiava poder contar boas experiências. Hoje sei que deveria ter confiado mais nos astros, afinal, como boa taurina ela manda ver em todas as refeições desde pequenininha. Mas na época, era essa angústia que me acompanhava antes de dormir todos os dias.

No dia que ela comeu o primeiro brócolis no almoço, eu ouvi do Pedro que meu sonho tinha se realizado. Não nego. Foi uma delícia ver a cena. O método BLW funcionou aqui em casa, mas poderia não ter dado certo por N motivos. A mãe cheia de expectativa parece precisar da aprovação geral das mães virtuais para conseguir abrir um sorriso e ficar satisfeita pela conquista da criança.

Na época que a Sara nasceu, outras blogueiras e atrizes também tiveram filhos. Ao abrir o Instagram, quando sobrava um tempo, via uma vitrine de bebês fofos e super bem adaptados ao mundo. Engraçado é ter, sim, a consciência de que ali, tudo é manipulado e, mesmo assim, achar que tem algo de errado dentro de casa. O bebê de fulana não chora nunca, me peguei dizendo. Mais ansiedade, mais comparação. Parava de seguir, parava de acessar, como forma de desconectar do desimportante. Ou seria me reconectar com o real?

Ainda nas redes, eu via gente vivendo e queria viver também. Queria poder sair de casa sem ter que me preocupar com que horas voltar. Mas a Sara precisava comer e ela mamava no peito e não pegou mamadeira, ou seja, precisava de mim ali com ela quando tivesse fome. Enquanto isso, eu sentia culpa de não sair de casa, de não fazer algo por mim mesma, e aí, logo depois, eu me sentia culpada de ter desejado estar fora de casa. Como se esse pensamento me fizesse menos mãe, me fizesse amá-la menos.
Na primeira vez que jantei fora de casa depois que ela nasceu eu chorei. Eu estava muito feliz. Mas tinha culpa. Louco demais. Ser mãe é muita loucura!

Os padrões de beleza estão sempre cutucando as mulheres. No pós-parto também. As barrigas chapadas desesperam mesmo antes do bebê nascer. Em um momento em que não estamos pensando em nós mesmas, esperam de nós que voltemos ao corpo de antes o mais rápido possível. Desde que a Sara nasceu eu não pisei na academia – não que antes dela eu pisasse lá com frequência. Enquanto a Sabrina Sato desfilava na Sapucaí três meses depois de ter a Zoe, eu me controlava para não atacar um pote de Nutella no fim da noite como fuga do cansaço e do estresse.

Bebê no berço dormindo é paz. Não é só silêncio, é paz interior mesmo. Dever cumprido mais um dia. A rotina, muitas vezes repetitiva, cansa. Mas é verdade que quando dorme dá vontade de acordar.

Antes da Sara nascer eu tinha medo de não saber amar. Não dá para entender como o amor acontece de repente e tão intensamente. E cada vez mais. Acredito que no parto nascem dois bebês, o bebê de fato e o amor por aquele serzinho. Ambos crescem, mas o amor é uma potência exponencial.

Ela me ensinou que todas essas cobranças e preocupações são incontroláveis de sentir, mas mínimas, perto da aprovação de quem mais importa: nós duas.

De nada adianta estar dentro dos padrões da cartilha da boa mãe e viver insegura e frustrada. Cada realidade é uma. Cada mãe é uma. Cada bebê é um. O que importa é o que dá certo para cada mãe, para cada filho, para cada pai também. É mais do que apenas dar certo, é o vínculo, é o amor que se constrói. Seja ele com chupeta, comendo papinha ou assistindo um tablet de vez em quando. É como se cada família, por mais imperfeita que seja, estivesse vivendo e ao mesmo tempo escrevendo a sua própria cartilha.

Ela vai fazer um ano nesta sexta-feira, 17 de maio, e nesse dia das mães, eu já completo um ano como mãe. Agora com a certeza de que estou dando o meu melhor nesse papel. Ela ainda não sabe falar, mas a risada que dá toda vez que me vê me, faz acreditar que eu estou seguindo direitinho as lições da NOSSA cartilha.

Em tempo: Eu já consigo sair para jantar sem chorar (risos), e me orgulho quando consigo dividir o tempo para cuidar dela e de mim também. Precisei que a Sara e todas as cobranças viessem para descobrir que dá para ser duas, sem deixar de ser nenhuma. A Ana e a mãe da Sara.

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